quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Retratos de um passado revelado

Um passeio pela extinta profissão de lambe-lambe, a arte que a tecnologia desbancou

Fotos por mim



Não é nada comum nos dias de hoje, mas, ao passar pela famosa Feira do Rato, no Centro da cidade, pode-se vê-la: ultrapassada, mas se impondo, exposta diante de tanta tecnologia e debaixo de um guarda-sol entre os trilhos do trem. Hoje é só uma caixa vazia servindo para chamar a atenção dos que passam. Triste fim para quem há dez anos atrás era responsável por uma enorme produção de retratos revelados na hora. Desbancada pela tecnologia.

No início do século, o exercício da fotografia era feito através de uma união de câmera com laboratório, a câmera lambe-lambe. Ganhou esse nome engraçado por conta da prática da revelação das fotos: o papel fotográfico teria que ser banhado em alguns químicos, um deles, o fixador, que, como o próprio nome diz, fixa a imagem no papel. Os fotógrafos passavam a língua na foto durante essa lavagem para sentir, pelo gosto, se estava pronta.

José Aurino dos Santos, 40 anos, nasceu no interior de Alagoas, na cidade de Anadia. Até os 16 anos cortava cana quando resolveu se mudar para a capital. Já em Maceió aprendeu tudo com o irmão, o já fotógrafo Antônio dos Santos. A partir daí começou a profissão de retratista, controlando durante muito tempo a câmera lambe-lambe. É a esse ofício, praticamente extinto, que dedica mais da metade de sua vida.

Quando a era digital começou a surgir, Seu José ainda tentou continuar com seu método tradicional e até chegou a pensar em desistir, mas, segundo ele, é a única coisa que sabe fazer. Com as câmeras digitais sendo comercializadas e máquinas reveladoras sendo criadas, ficou cada vez mais difícil conseguir comprar o material necessário para a revelação das fotos - os químicos não são mais achados com a facilidade de antigamente. Relutou, mas foi obrigado a se adaptar ao novo mundo, comprando uma câmera digital e uma pequena impressora bem operacional, que até dá a opção de alguns retoques na foto. “Antes, isso aqui era cheio de lambe-lambe. Foi-se acabando, alguns largaram a profissão, outros morreram. E o movimento caiu muito. Tem dias em que eu só faço uma foto. Eu sinto falta porque, além de tudo, é uma tradição e muita gente admira. Na semana passada chegaram alguns turistas aqui e pediram para que eu fizesse foto deles, mas quando viram que era digital, não quiseram mais. Queriam mesmo era da lambe-lambe”, diz.

Ele confessa que foi difícil aprender a lidar com a tecnologia, mas, para isso, contou com a ajuda do filho adolescente. Enquanto levou 15 dias para dominar sua lambe-lambe, passou mais de um mês para se familiarizar com o aparato digital. E embora admita que é muito mais fácil trabalhar com o equipamento novo e que “foi a melhor coisa que inventaram para quem trabalha com fotografia”, diz que se pudesse voltar a usar a câmera antiga, o faria sem vacilar.

Cícero Benedito, 43 anos, mais conhecido como Kiko, divide seu ponto de trabalho com Antônio dos Santos, o Tonho Matuto, 51 anos – o irmão do Seu José – com quem também mantém uma sociedade. Os fregueses e o dinheiro são divididos igualmente entre os dois. Também foram obrigados a se renderem aos equipamentos digitais.

Kiko conta que ficou triste, até tentou adaptar a lambe-lambe para o digital, mas não conseguiu. Faz dois anos que ela parou de vez. “Eu sinto muita falta do processo todo, era tudo artesanal mesmo. Quando a foto saía com alguma mancha ou detalhe que o freguês não gostava, a gente fazia retoque com um palito, molhava mais um pouquinho e pronto. Tudo se resolvia”, explica. Embore concorde que é muito mais eficaz trabalhar com tecnologia, reclama dos custos: “Se essa câmera digital quebrar, é muito difícil consertar, tem que mandar para assistência técnica e ainda é muito caro. Com a lambe-lambe não tinha problema, a gente mesmo dava jeito se quebrasse ou se não estivesse funcionando bem”.

O local de trabalho dos dois é mais organizado do que o de Seu José, em plena Feira do Rato. Quando passam ônibus de turismo, eles são uma verdadeira atração, as pessoas colocam logo suas câmeras para fora da janela para registrá-los. Causam o furor da descoberta de um animal em extinção. “Caímos no esquecimento”, diz um Kiko tristonho, mas orgulhoso de sua arte. “O bom é olhar a foto e pensar ‘fui eu que fiz’. Porque nós fazíamos mesmo, fazíamos tudo”. E faziam mesmo. Com todo o significado dessa palavra. “Depois de 20 anos, tem gente que passa por aqui e diz que ainda tem foto comigo, é uma alegria”.



Um autodidata da fotografia


Com um sorriso sincero, uma voz forte e muita história pra contar, Seu Manoel da Taboca, 72 anos, é um gênio da fotografia não descoberto. Nasceu em Anadia, onde foi criado na roça. Aos 16 anos viajou para São Paulo para trabalhar em plantações. Lá conheceu um japonês que tinha uma câmera fotográfica. Quando a viu, encantou-se. Começou a aprender assistindo ao amigo revelar as fotografias.

Mesmo tendo perdido o dedo polegar da mão direita num acidente, foi muito difícil deixar a roça e, por muito tempo, a fotografia foi apenas um hobby. Mas desde que aprendeu, não parou de inventar engenhocas e formas de melhorar o processo. Ainda trabalhando em uma usina, montou um laboratório em casa e revelava suas fotos nos fins de semana. “Fiz uma câmara escura e um quadrinho com um papel na frente para a luz entrar difusa. Mas na época eu nem sabia que aquilo era um difusor, só sabia que era para a luz entrar espalhada”, descreve.

Ele relembra, com os olhos cheios de saudade, que perdeu a visão do olho esquerdo por conta de uma pedrada, mas que nem isso conseguiu atrapalhar seu amor pela arte visual. “Eu amava aquilo, ver a imagem surgindo aos poucos num papel em branco. Eu chamava todo mundo em casa pra ver”.

Um dia viu numa praça dois fotógrafos trabalhando com câmeras lambe-lambes. Até então, não conhecia a máquina que dava a possibilidade de revelar as fotos sem precisar de um laboratório. “Fiquei impressionado olhando eles trabalharem. Daí comecei a construir uma lambe-lambe. Criação minha, fiz e aprendi a usá-la sozinho. Fui me aperfeiçoando e comecei a ganhar dinheiro trabalhando como fotógrafo. Pedi demissão da usina”, conta todo orgulhoso.

Em seu percurso, já estava no Mato Grosso, quando achou uma praça que não tinha fotógrafo. Armou sua câmera e fez do local seu ponto dali em diante. Em seis meses, diz, ganhou o equivalente a 20 mil reais e resolveu realizar o sonho antigo de voltar para Alagoas. Chegou trazendo a novidade da câmera com filme quando os poucos fotógrafos que já existiam usavam chapas e papel. Começou a fabricar as câmeras por encomenda, que também foram instaladas pela empresa Egídio Fotografias, onde Seu Manoel trabalhou. Também prestou seus serviços ao extinto Jornal de Alagoas nos últimos seis meses de vida da empresa.

“Mais ou menos em 67, quando chegou a fotografia colorida, ninguém mais queria tirar foto em preto-e-branco. Que desgosto que dava”, relembra. E completa: “Comecei a estudar um jeito de preservar a lambe-lambe, o processo de revelação do colorido era muito difícil e caro. Eu quebrava a cabeça, mas não desisti. Sempre fui criativo e um dia consegui”. Assim Seu Manoel da Taboca criou e sustentou seus 17 filhos.

De fato, não se interessou pela novidade dos equipamentos digitais, parando de fotografar em fevereiro de 2006, após 39 anos de carreira. “Eu tenho saudade, sonho muito com o tempo em que eu trabalhava com fotografia. Sinto falta demais”, emociona-se.

Fotos e Texto por Larissa Fontes

*Matéria publicada no O Jornal do dia 21 de Novembro de 2010, na página Universidades.

sábado, 4 de setembro de 2010

Resiliência e Fé

Fotos por mim



Era uma pauta que mais parecia uma missão. Sair em busca de usuários de drogas pelas ruas de Maceió e tentar fotografá-los para uma matéria especial. Pedimos permissão para entrar na guarita do terreno onde funcionava uma certa empresa para que eu pudesse fotografar alguns moradores de rua usuários de lá de dentro.

Encontramos Pedrinho - como é conhecido, embora seu nome seja Tayrone. Nada que comprove isso, pois seus documentos foram roubados enquanto dormia na rua. Tudo o que tem se resume a um saco contendo alguns poucos objetos e várias garrafas. Estava disposto a conversar e ajudar-nos na nossa matéria.

Pedrinho é alcoólatra. Bebe só de raiva. Raiva de tudo, da família, da mulher. Gosta de conversar e costuma despertar a simpatia e confiança das pessoas, como os porteiros do terreno, que o deixam entrar e dormir seguro nos fundos. As vezes as palavras fogem, ele se perde nas falas, conseqüência de tantos anos de álcool no organismo.

Eu o olhava e tentava afastar o pensamento clichê de: “Deus, obrigada por tudo que tenho!” com o “ele escolheu isso”. Mas era inevitável olhar para os meus pés brancos com unhas azuis impecáveis, enquanto na minha frente aquela criatura tinha sujeira até na ponta do nariz. Em que momento alguém escolhe uma vida dessas? Nos olhos ainda pude ver uma vontade preguiçosa de mudar, lá no fundo.

Já levou tiro e facada. Diz que nunca usou drogas pesadas, só “fuma um” quando tem. Faz uns bicos catando latinhas para ganhar uns trocados. Quando não arruma nada, mistura álcool de posto com água mesmo. Quase não come. Toca violão e guitarra. Foi integrante da banda Massa Rara, mas atualmente não está tocando nada.

Tem família, apesar de ter sido abandonado na infância. Informações confusas ao longo da conversa. Mesmo que lhe ofereçam uma cama, prefere dormir no chão. Tem medo do escuro e de ser queimado dormindo na rua. Vezenquando toma coragem e vai visitar a mãe. O repórter pergunta sobre seus Natais: “– Natal é uma figura linda. É coisa de Deus. Ano passado eu dei um presente pra minha mãe. Um brinco”. Disse isso com orgulho.

Parece não conseguir mais absorver e entender que a raiva que sente e o leva a beber só fere a ele mesmo. A conversa me fez pensar o caminho inteiro de volta a redação. Que mãe não luta pelo seu filho? Que substancia lícita é essa que acaba com um homem física e mentalmente? Que sistema é esse? Acho que essas perguntas vão fervilhar pra sempre na minha cabeça. Acho que vou sempre lembrar que fiquei de frente pra esse homem-se-auto-destruindo que me disse coisas.

Lendo um artigo do professor Luiz Carlos Cabrera na revista Você S/A, uma palavra me chamou a atenção: resiliência. Resiliência, segundo o Aurélio, é a “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica”. O professor diz que o ser humano desenvolve ao longo da vida, por vários motivos, uma capacidade de resistir às tensões. A palavra mágica, no fim, quer dizer “dar a volta por cima”.

Fica a inquietação: como aumentar a resiliência de uma pessoa sem qualquer perspectiva, como o nosso personagem Pedrinho? No mesmo artigo, o autor ainda diz que diferente de um material qualquer, que ao fim da tensão volta a ser o que era, o ser humano tem a chance de sair dela numa verdadeira transformação, já que tem a capacidade de aprender e acumular experiência.
Ele ainda fecha seu artigo de uma maneira que, com toda a licença, vou precisar terminar o meu também. Uma citação do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé”. Não perca a fé em você mesmo.

Ainda arriscaria que não percamos a fé no outro também.

Então, as palavras do dia são: Resiliência e Fé.




Larissa Fontes

domingo, 27 de junho de 2010

Prêmio Dardos



Já faz algum tempo que recebi esa homenagem do Gui, dono do Prosopoética - atualmente está exercendo a função de pai babão da HannaH - e só agora, vim retribuir o presente. Gui, não sei se mereço prêmios, mas saiba que o daria mil vezes pra você. Obrigado pelo carinho de sempre!


Sobre o selo (palavras de quem indica o prêmio):

“O Prêmio Dardos é um reconhecimento dos valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esse selo foi criado com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agrega valor à Web.”

Por isso, indico o Prêmio Dardos para:

1-
Pra não faltar amor
2-
Reconvexando
3-
Fábrica de Palavras
4-
Máquina de Costura
5 -
Momentos

Agora, o que cada blog indicado pode fazer:

1. Exibir a imagem do selo em seu blog;
2. Linkar o blog pelo qual recebeu a indicação;
3. Escolher outros quinze blogs que receberão o Prêmio Dardos,
4. Avisar aos escolhidos.

Muito bem! É a hora (e a vez) de vocês.

Dardos neles/nelas!!!!!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mas eu penso tanto...

É que eu não sei escrever. Mas eu penso tanto. Depois tudo quase sempre se desmancha no ar, em meio a tantos pensamentos. Fantasio, invento histórias de amor sobre pessoas que vejo. Assim: de repente, o cantor daquela banda é apaixonado pela cantora. Cantam juntos, mas ninguém sabe que ele todo dia declara seu amor pra ela. E existe todo aquele peso de amor mal resolvido no ar. Isso no meio de uma festa, no meio de tanta coisa mais pra se pensar. Quase sinto tudo que Gil sentiu quando escreveu Drão pra mulher, quando se separaram. Deve ter sido lindo. Lindo e triste. Aquela velha história de que, o amor só é bom se doer. Quem anda por aqui sabe o quanto eu sou Vinícius nesse negócio. Queria saber colocar em palavras a definição desse peso-de-amor-mal-resolvido-no-ar. "É como um grão, tem que morrer pra germinar". É que eu não sei escrever. Mas eu penso tanto...
Só um desabafo, sobre o vazio que se instalou na minha "inspiração".
Para aqueles que cobram a minha volta, essa é uma boa e real explicação para o meu sumiço aqui.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sobre o frio, Vinícius e um amanhecer rosa

Frio nunca sentido com tamanha intensidade. A espinha treme e os dentes se atropelam independentes. Um rubor diferente, pois não vem do calor familiar, aparece na ponta do nariz e bochechas. Dormência nos dedos dos pés e das mãos. Uma fumaça gelada quase atrapalha sua visão a um simples respirar. Mas é só a saudade. Talvez em sua forma física. Há quem diga que realmente dói. E às vezes posso sentir.

De repente, ao acordar, um céu rosa surpreendentemente faz desaparecer frio e dor. Pelo menos por alguns instantes. Tudo se fez rosa. Rosa.

Um Vinicius da voz sempre bêbada sussurrava palavras de amor em meu ouvido. “Mulher mais adorada!” Quase sentia o hálito quente descendo pela nuca. Esquentando o corpo e o espírito. “Essa saudade de estar perto, se longe. Ou estar mais perto, se perto.” Alguém de longe soprava uma flauta doce, chorosa. Talvez numa sala escura e quente. Quente, mas fria. Entende-me? Não? Nem eu. “Cada hora que passa, e mais porque te amar.”


Larissa Fontes

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Três na Nossa



"Próximo a você deve ter uma janela, uma porta esperando, chegue até ela, dispa-se e sinta então os tais arrepios que anteriormente elucidei. Sabe o que é? Uma forma sutil de o seu corpo dizer: saudades!" Léo Moreira.

"Eu acredito na poesia. Acredito em todas as formas de amor. Acredito nas letras de musicas e nos sentimentos que levaram alguém a escrevê-las. Acredito na beleza da tristeza e na forca que ela nos dá." Larissa Fontes

"A idéia de ‘encontros’ sempre me pareceu muito encantadora. Não sei o porquê, nem de onde vem. Mas imagino um grande tabuleiro, e peças marcadas para se encontrarem em algum momento deste jogo." Vitor Andrade


Algo como um laço, que uma vez tocados por ele, nunca mais poderá largar.



E é assim, a nossa bossa. Três na Nossa.

http://tresnanossa.blogspot.com

Visitem-nos.