sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ele alí, tão irreal


Eu não sei fazer poesia, nem escrever bonito. Mas tenho de falar de quando o vi. Ele alí, tão irreal, sentado na minha frente.
Eu trabalhava de garçonete naquele bar desde que eu tinha 16 anos. Estava acostumada com bêbados me cantando e vomitando todo fim de noite. Acho que fiquei meio antipática por conta disso. Nunca dei ousadia pra nenhum daqueles homens. Primeiro porque eu estava trabalhando e segundo porque tinha nojo da maioria deles. Mas não dizia nada. Servia quieta, fazia meu trabalho bem feito, para não dar brecha para reclamações.
Fazia um tempo que eu via um rapaz bem bonito que vinha sempre aos sábados. E sentava na mesma mesa, no fim do bar. Eu não tinha coragem de ir lá, tão bonito ele era. Sempre mandava o Bento, um garçom que trabalha comigo, muito querido. Acho que o único amigo que tenho. Bento é meio gay, apesar de nunca ter assumido, sempre ia de bom grado atender o rapaz bonito. Sempre pedia umas cervejas e bebia sozinho. Bento me conhece bem. Percebeu em mim a ponta de nervosismo quando ele vinha. Acho que por isso abriu mão da paquera e deixou para mim, porque sempre vinha contar alguma descoberta sobre ele.

Mas o que eu quero realmente contar, foi o dia em que ele chegou e não sentou na mesa de sempre. Sentou-se no balcão. O vi tão de perto, então. Ali, tão irreal, sentado na minha frente. Me olhou e simplesmente foi falando.

- Tive um sonho ruim...

Foi como se ele tivesse aberto tudo dentro de mim. Como se nos conhecêssemos desde sempre. Mesmo nunca tendo trocado uma palavra sequer, eu sabia que estava falando comigo. Larguei o pano de prato e os copos que eu lavava. Sem dizer nada, me sentei em frente a ele. Senti que ele precisava falar. Só falar. Eu só vim a esse mundo, meu Deus, para ouvi-lo.

- “Eu andava sozinho por uma praia, a noite. Parecia não saber o que estava fazendo nem pra onde estava indo, só andava e andava. De repente dei a olhar pra trás, com medo de alguma coisa. Um medo me consumiu, um medo inexplicável. Olhava pra trás e não via nada, só a escuridão. E eu acho que era justamente isso que me dava medo: a escuridão.”

- Eu também tenho medo da escuridão. Embora viva nela...

- Como assim vive nela? Se a tua aura é completamente feita de luz? Clara!

- A minha o que?

- A sua aura. É uma coisa que te emana e envolve toda, como um sopro de ar. Diz muito sobre seu emocional. A sua, posso ver, é clara como o sol.

Eu precisava dizer alguma coisa. Mas o que eu poderia dizer? Que conversa, eu, uma pessoa que não sabe o que é aura, poderia ter com um cara assim? Acho que minha cara, que ficou totalmente vermelha, falou por mim. Ele facilitou.

- Te deixei sem graça? Não era a minha intenção, desculpe.

Não consegui responder nada. Só o olhei, e quando vi que ele ainda não tirara os olhos de mim, abaixei os olhos ainda me sentindo quente, dessa vez não só o rosto, mas o corpo inteiro.

Nessa hora eu já me esmurrava por dentro, como eu podia ser tão idiota a ponto de não conseguir manter uma conversa com um homem? Principalmente sendo ele.

Vi nos olhos dele alguma coisa de estranho. Não sabia ao certo se era uma coisa boa ou algo triste. Mas fiquei olhando fixamente. Sem perceber. Devo ter feito alguma coisa de errado, porque ele me deu um sorriso meio tristonho e se levantou. Ainda ficou parado em frente ao balcão, como se esperasse que eu fizesse alguma coisa. Eu apertava minhas pernas, que ele não podia ver. Me castigando por não ter coragem de fazê-lo ficar.

Ele se demorou um pouco ainda, mas viu que eu não ia falar nada e se virou. Começou a andar lentamente em direção a porta, tinha a cabeça baixa.

E se ele não voltasse? Se aquela mesa ficasse vazia de agora em diante?

Não pensei em nada. Dei um grito.

- Fica comigo?

Que reação ele ia ter agora, meu Deus?

Ele sorriu e veio na minha direção.

Larissa F.

Texto antigo, postado em 12 de Novembro de 2008.
Algumas pequenas modificações, muitas vírgulas engolidas. Percebi que hoje, sou mais de pontos do que de vírgulas. Será isso bom?