segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Senhor das palavras*

Bebendo prosas, versos e rimas do anjo demoníaco que é o mutável Marcos de Farias Costa


O poema é a soma/ da imagem como som./ A metáfora assoma/ quando o poeta tem o dom”, diz em um poema cujo nome se funde com o seu próprio: Poemarcos. E não poderia ser diferente, já que parece mesmo falar de si. O elegante livreiro, poeta, escritor, compositor (e boêmio de carteirinha!), Marcos de Farias Costa, está sempre disposto a bater um bom papo e não há assunto que dispense. Coisa boa é adentrar pelas portas da Livraria/Sebo Dialética, na Rua do Uruguai em Jaraguá, com bastante tempo para usufruir horas em sua companhia.

E foi assim a entrevista ao O JORNAL: uma conversa gostosa em meio ao cheiro bom dos livros.

Há seis anos surgiu a Dialética: “Eu já tinha o imóvel e pensei muito entre fazer um bar ou um cassino, mas terminei optando pela livraria”, e brinca: “O que eu considero uma traição!”. Começou com um acervo de apenas mil obras, depois adquiriu a biblioteca com oito mil livros de um advogado falecido. Hoje, também vende livros novos e compra antigos por preço justo. Tem um departamento de livros raros e primeiras edições: “Muita gente coleciona bebidas, carros, mulheres. Mas poucos colecionam livros”.

Formado em Psicologia, nunca exerceu a profissão por não se sentir vocacionado e foi bancário por muito tempo. “Minha formação mental mesmo foi na Praça Deodoro. Lá conheci poetas, gente de teatro, etc. Foi onde conheci Jorge Cooper, que me abriu os olhos para a literatura, eu que já tinha uma influência de casa, um grande respeito pelos livros”, lembra.

“Quando o conheci foi aquela epifania. Nunca vi um homem tão culto, sensível e agradável”, descrição que cai como uma luva no próprio Marcos. “Nos parecíamos naturalmente: éramos da noite, bebíamos muito, fumávamos, mas minha poesia não tem nada a ver com a dele”, fala com orgulho e saudade visível do homem que foi seu grande amigo e espécie de guru na concepção de vida.

“Eu morava perto da rua do hospital (hoje Barão de Maceió, a rua da Santa Casa), então, sempre fui da boemia. Vivia muito nos bares e cabarés da vida. Foi uma formação boêmia, etílica e cultural, que além da Praça Deodoro, foi no Jaraguá”. Como exímio boêmio que é, confessa, divertido: “Passei 10 anos de porre. Dos 30 ao 40 anos, eu passei bêbado. Foi o auge!”.

“Minha história com a música é fácil de falar. Ia muito à rádio Difusora e também a rua do hospital era repleta de músicos. Além disso, todos lá em casa gostavam de música, mas meu irmão (o psiquiatra e também poeta e compositor Marcondes Costa) é quem mais se sobressaiu, inclusive tendo uma música gravada pelo Luiz Gonzaga. Comecei a compor nos anos 70 e continuo compondo até hoje”.

Editou por cinco anos a revista Dialética, que se dedicava à tradução de poemas, ensaísmo crítico e literatura comparada. Nos anos 80 apresentou o programa de rádio “Canto da Terra” na antiga rádio Difusora, que apresentava somente artistas alagoanos. Ficou à frente do jornal Fonfon, sobre música popular, e escreveu artigos de forma independente, que publicou em diversos jornais. Artigos estes que compõem o livro À Queima Roupa, publicado em 1995.


Do poema ao desaforismo

Aos 28 anos, em 1982, publicou seu primeiro livro, O Amador de Sonhos, no qual faz pulsar o leitor com “Primeira quase uma elegia de amor metafísico”. Depois anos depois, lançava sua segunda obra, Ócios do Ofício, onde o curto “Jano Bifronte” (Quase perco a cabeça/ por aquela mulher./ As duas cabeças.) rouba a atenção. Em 1988 publicou Coisas & loisas, que define como desaforismos. Os contos eróticos reunidos no – segundo Antônio Callado em depoimentos reunidos na orelha de À Queima Roupa – orgiático “Per os, per anum, per vaginam” foram lançados em 1991.

Depois de uma considerável pausa de sete anos na poesia, também em 1991, lançou a terceira coletânea de poemas, dessa vez, com uma maior quantidade, A quadratura do círculo, em que “À maneira de Jorge Cooper” parece confessar seu desafeto – quase medo – para com a velhice. Em 1992 e 1993 foram lançadas, respectivamente, “Não tem tradução” e “Transmissões”, antologias poéticas bilíngües.

Em 1997 publicou “A comédia de Eros”, em que Marcos se mostra mais afiado, erótico e ardente do que nunca. E, entre seus vinte e cinco poemas, é complicado apontar o que se destaca – “Amor fati”, “Autobiografia sexual machista”, “Maceió na cama”, “Niphleseth”, “Psiu! Ela está gozando”, “No bordel da gorda Gerda”, “Meus oito ânus” e “Pirralha piranha”. Em Poemas Profanos, o curto “Aura” culpa o leitor pelo encanto da poesia e ainda o presenteia com “Autobiografia”, “Lilith”, “Soneto no Shopping”, “Pontos cardeais” – onde se diz limitado por problemas de saúde e confidencia pensar demasiadamente na morte – e “Vi Vi”.

Bibliografia crítica sobre João Ribeiro” foi lançado em 1998. Mais uma antologia foi lançada em 2000, intitulada Doce Estilo Novo, lançada em mercado nacional e onde, em nota, Gilberto Mendonça Teles frisa que o Brasil vai além do Rio e São Paulo, que “há em cada capital brasileira, hoje, alguns bons, excelentes poetas, com vários livros publicados pelas editoras locais e, por isso mesmo, desconhecidos (ou quase) da crítica, dos programas escolares e do resistente leitor de poesia” e que vem daí o sentido principal da publicação.

Atualmente, Marcos tem dois projetos prontos aguardando revisão para serem lançados no segundo semestre: um mergulho no universo lésbico, no intitulado Cantata Sáfica, somente de "poemas de mulheres para mulheres"; e uma tradução do texto “A História do Soldado”, do poeta suíço Ramuz. Pretende também terminar um dicionário lésbico, ainda sem data prevista.

A riqueza de vocabulário está sempre presente em toda a sua obra. Riqueza esta que não chega nem perto do hermetismo; pelo contrário, é poesia simples, mas nunca simplória ao leitor sensível. Trechos de sua vida, memórias – sempre a boemia – e confissões podem ser achados em muitos de seus versos. Transcende o sentido de dom, ele é a poesia. Ah, quem dera essa reportagem pudesse rimar!


Texto e foto: Larissa Fontes

*Matéria publicada no impresso O Jornal, em 12 de junho de 2011, na página Universidades.