sexta-feira, 30 de maio de 2008

O Palhaço

Ele trabalhava em meio a cores e sorrisos. Ele era cores e sorrisos. Para os outros. Léo trabalhava num circo como um palhaço e seu trabalho era pintar a cara de uma coisa que ele não era e arrancar sorrisos das pessoas. Foi assim que o conheci. Colorido e sorrindo. Eu tinha acabado de chegar no circo, não conhecia muita gente e passava a maior parte do meu tempo livre lendo no meu trailer ou passeando pelo circo, ansiando uma conversa, um amigo, um amor.
Foi numa dessas caminhadas, que comecei a observá-lo. Ele estava deitado numa rede e tinha uma cara fechada. Não fechada de chateação, mas uma cara retraída, até meio amargurada. Pensei que ele pudesse estar num dia ruim. Até os palhaços tem seus dias ruins, não é? Mas algo mais me chamou atenção nele. Não sei o que. Mas me sentei e continuei observando.
Vi anoitecer, ele entrar e começar a se pintar. Ele saiu de seu trailer com a mesma cara fechada, acho que nem me notou. Saiu com aquela cara triste e só foi entrar no picadeiro para que o seu rosto se iluminasse, mudasse totalmente. Nem parecia a mesma pessoa.
No outro dia, voltei. Sua cara não mudara e não mudou durante a semana inteira. Às vezes o pessoal do circo se juntava pra conversar. Ele sempre estava lá, conversava com um, com outro, mas sempre ia se deitar cedinho.
Não sei por que eu cismei com ele. Talvez pela idéia de alegria que um palhaço me passa. Uma alegria e uma complexidade, percebi depois. Pra mim, antes de conhecer o Léo, os palhaços eram sempre felizes. Todo mundo tem que ser feliz. Por que ele não?
Nunca, em nenhum momento passou pela cabeça das pessoas que viviam com ele no circo, que ele era o Léo, não aquele palhaço. Ele tinha seus sentimentos, tinha suas saudades e suas tristezas. Mas ninguém o conhecia.
Eu olhava pra ele e ficava com vontade de chegar, conversar e depois, sem eu perceber, tive vontade de ser o ouvido para os seus problemas, o ombro amigo, o abraço querido. Comecei a pensar nele.
Nunca tinha me apaixonado, não sabia nem o que era isso. E aquilo estava começando a fugir do meu controle, eu precisava botar pra fora.
Um dia eu sorri pra ele. Ele demorou um pouco, acho que se tocando que era pra ele mesmo e então sorriu de volta. Que sorriso lindo! Sorriso dele. Do Léo, não do palhaço. E pra mim. Esse sorriso me fez andar até e lá e o abraçar. Ele não precisou entender, me abraçou forte e ficamos um tempo assim. Depois nós sentamos e conversamos até anoitecer, chegou a hora do show e eu nunca dancei como naquele dia. Quando ficava na ponta do pé, parecia que eu flutuava. E eu sorria! Um sorriso de quem achou o que sempre esteve procurando. Ele me olhava lá de dentro e eu pude jurar que vi os seus olhos brilhando.
Depois do show continuamos a conversar e fomos até o sol aparecer. Ele falava, falava e parecia que aquilo estava guardado a tanto tempo que eu só conseguia ouvir e olhá-lo e eu podia ficar assim por horas.
Pois é. Ele só precisava de alguém. E eu, mesmo sem saber precisava dele. E foi assim. Como eu me apaixonei. Cuidado com sorrisos.



Larissa Fontes

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Eu sei que vou te amar

(Ele)
Você vai entrar pela porta que eu deixei entreaberta, há uma hora que eu não descolo os olhos da luz de neon do hall que se filtra como um prenúncio da tua chegada. Antes de você chegar você já chega como uma nuvem que vem na frente, antes de você chegar eu ouço tua ansiedade vindo, tua luz, teu som nas ruas, teu coração batendo mais forte porque vai me encontrar... Eu sei que minha presença te fará nervosa, tuas mãos ficam úmidas, sei que você se arrumou melhor para me ver, sabe dos vestidos que eu gosto, botou uma calcinha sexy por via das dúvidas, eu sei que você sabe que eu sei de tudo que você era e que teu único tesouro é o que eu não sei mais... mulher... por isso, teu peito dispara e você vem vindo pela rua sem ar, e você vem e você chega e entra quebrando o realismo da sala, quando você entra muda tudo, a casa fica diferente, as cadeiras se movem, os vasos de rosa voam no ar, as mesas rodam, rodam e eu começo a perder o controle da minha solidão; sozinho eu me seguro, mas você chega e eu danço, pois você sabe de mil truques para me jogar no abismo... você chega e o terrível perigo do Outro se desenha; você é um ponto de interrogação, uma janela aberta para o ar, um copo de veneno, você é o meu medo, o mar fica em ressaca, fi co à beira do riso e das lágrimas, perto do céu e perto do crime, um relógio de briga começa a contar os segundos da luta, uma multidão de fantasmas de terno e gravata me assiste com o coração sangrando, perco o controle e entramos os dois num barco em alto-mar, à deriva...


(Ela)
Você me chamou por telefone. Não te vejo há três meses... seis anos juntos e agora sem te ver... pela tua voz no telefone sei que você está controlando uma emoção, querendo bancar o homem seguro de si... e fico desesperada porque mesmo assim você consegue fingir solidez e eu... e eu... ao ouvir tua voz, o mundo se acalma... tudo estava rodando e se acalma, minha casa estava cheia de perigos, as facas, os garfos me ameaçavam das gavetas, as agulhas, os remédios envenenados, os mosquitos e bichos voando nas janelas querendo me atacar e tua voz vem calma no telefone e eu sei que é mentira que você vive em pânico mas eu fico toda emocionada, fico toda menina, toda protegida com o falso tom de bondade sórdida que tua pose de homem prático assume... e tua voz vem do mundo dos altos, dos fortes, e eu, mesmo sabendo dos perigos que esta paz me oferece, me arrumei toda para vir aqui ver você... penteei os cabelos negros que você ama, me pintei e então... tudo que se movia na casa se acalmou...


Eu sei que vou te amar, Arnaldo Jabor