sábado, 28 de fevereiro de 2009

Poema à quatro mãos


O tempo passou.
Passou calado,
Ou eu, surdo, não ouvi seu estardalhaço?
Poderia ter te percebido
Se, inibido, não tentasse me esconder
E me bastaria apenas olhar você
Com os sempre olhos de amor,
Se não fossem eles podados por você mesmo.
E ainda que incerto
Tornas-te belo
E essencial para enxergar o que o destino
De maneira sutil, tentava desenhar
E que você, cego, tentava apagar
De qualquer maneira
Passando por cima do seu coração.
Não faça isso, chega de chorar,
Chega de noites de chuva e tempestade
Eu dou espaço a saudade
E o desejo inquieto da sua presença
Para me trazer calma
No encontro da alma
Que alimentaria o fisico.
Vou agindo por instinto
De ainda te proteger.
Desisti de te esquecer,
Perder tempo é banal
Diga que não pensa em mim,
Que não lembra do meu calor.
Entrego os pontos à desistencia,
E enquanto você se engana,
Me engana
E me mantém seu escudo,
Mudo.
E eu ja não preciso de mais nada
Ainda que na insegurança de te ter por perto
Ainda que incerto, o destino desenhe o teu sorriso
O teu meu sorriso.
Ponto final, eu daria
Pra o esforço de te arrancar daqui.

Larissa Fontes e Vítor Andrade

Siga o caminho das flores

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Onírico


"Veio num sonho, certa noite. Ela o amava. Ele a amava também. E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece, naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. Boa, fácil, assim era. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo. Dormiam juntos, no sonho, porque era bom para um e para outro estarem assim juntos, naquele outro espaço. Não vinha nada de fora, nem ninguém. Deitada nua no ombro também nu dele, não havia fatos. Dormiam juntos, apenas. Isso era limpo e nítido no sonho que ela sonhou aquela noite.

Deitada no ombro dele, ela via seu rosto muito próximo. Esse era o sonho, nada mais. E isso, mais tarde saberia, era o único fato do sonho inteiro: via o rosto dele muito próximo. Como um astronauta prestes a desembarcar veria a face da lua, mal reconhecendo o Mar da Serenidade perdido em poeira cinza, assim ela o via naquela proximidade excessiva, quase inumana de tão próxima. Fechasse os olhos - mas não os fecharia, pois já estava dormindo - guardaria contra as pálpebras cerradas um por um dos traços dele. (...)
Coisas assim, ela via. E de olhos abertos, embora fechados, pois sonhava, protegia-o, protegiam-se no meio da noite. Tão simples, tão claro. E de alguma forma inequívoca, para sempre. Talvez ele tivesse passado um dos braços em torno da cintura dela, quem sabe ela houvesse deitado uma das mãos sobre o ombro dele, erguendo os dedos até que tocassem no lóculo de sua orelha. Em todos os dias que se seguiram à noite daquele sonho, e foram muitos, honestamente não saberia localizar outros detalhes. Pois enquanto dormia, naquela noite, tudo era só e apenasmente isso: dormiam juntos."

Caio Fernando Abreu

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sobre um caminho de grama amassada e todas as coisas bonitas

Hoje no comecinho da manhã, me deitei em meio à grama do jardim e comecei a olhar o céu. Costumo fazer isso desde pequena. Ficar descobrindo os desenhos nas nuvens. Em meio a toda uma história que já começava a surgir, olhei pro lado. No canto do jardim, ainda no encalço da estradinha que leva pra casa de madeira lá atrás no quintal. O caminho de todo dia da tua bicicleta verde. Um caminho fino de grama amassada.
Fiquei olhando aquilo e enquanto o meu olhar percorria aquele caminho, parecia que eu te via ir embora. Ir embora indo na cidade comprar alguma coisa, voltando sempre com flores coloridas pra mim. Flores que não vinham embaladas como as que se compram. Vinham com seus caules meio machucadinhos, do aperto de mãos. Mãos que as colhiam no caminho. Que ao meio iam parando várias vezes, parando com intenção de ver um sorriso quando aquelas flores chegassem ao seu destino.
E eu sorrindo toda. Toda sorrisos! Meus olhos, minhas mãos, meu andar, minha boca. Toda sorrisos!
Imaginava um rosto apaixonada e dedicado, parando a todo momento que enxergava uma flor bonita no caminho.
E parecia que você tinha saído há anos. Tinha saído e não mais tinha voltado em cima daquela bicicleta verde e segurando meio desajeitado um ramalhete de flores coloridas de caule machucado, por tanto tempo.
Senti o peito me apertar, o olho marejar.
Logo um barulho de ferro tombando em buracos surgiu. E ao levantar a cabeça, ainda deitada na grama, vi a velha bicicleta verde e você em cima dela, tão meu. Alí sim estava o céu, as nuvens, os jardins, as flores, as músicas mais bonitas. Alí morava todas as coisas bonitas que resolveram se juntar em forma de sorriso. Ali!

Larissa Fontes

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Um lenço, uma caneca e um colar caídos do céu.

"E no sonho ele me disse que vai vir. Voando! E vai jogar lá de cima presentes pra mim. Lenços com cheiro de alecrim, que pode até ficar enganchado em alguma árvore, me dando um trabalhão para tirar com a vara de pegar cajú; uma caneca branca que cairá tão sutilmente que não quebrará; um colar de couro com um pingente de metal envelhecido, que eu colocarei no pescoço e não tirarei, mas ficará por debaixo do meu vestido, pra que os meus irmãos não vejam e não tirem sarro de mim.
Ele virá, e eu esperarei sonhando com seu rosto que eu ainda não conheço. Mas ele virá, meu Deus. Ele virá!"

Larissa Fontes

(Inspirado no conto "Tangerine Girl", de Rachel de Queiroz)


sábado, 7 de fevereiro de 2009

Entre os estilhaços das taças quebradas


Três meses sem se ver depois de seis anos juntos. Porta entreaberta. Espera nervosa e olhos que não se descolam da entrada. Sala escura, cortinas fechadas. Olhos encharcados de álcool e incomodados com a luz. Champagne. Poesia, Chico Buarque no rádio. Pensamentos indecentes, obscenos. Raiva e amor, rancor e desejo.

Três meses sem se ver depois de seis anos juntos. Caminhar medroso, tenso. Ansiedade e mãos geladas. Ruas movimentadas, tempo fechado. Olhos azuis com prenúncios de lágrimas, vontade de voltar atrás. Cigarro. Música no bar da esquina. Pensamentos indecentes, obscenos. Raiva e amor, rancor e desejo.

Enfim chega.

Encontra a porta entreaberta. Empurra-a e fica um tempo parada, encarando-o. Dá pra ver que está uma merda por dentro, mas faz questão de fingir uma solidez que uma mulher forte teria. Mas ela não é boa em fingimentos, por isso está com uma cara que crê esboçar tudo o que sente.
Ele se levanta e de repente todos os pensamentos indecentes e obscenos que pairavam em sua cabeça somem e ele emudece. É covardia. Ela está cada vez mais bonita, só porque não é mais sua, e isso é difícil de agüentar. Linda e livre.

Silêncio. Agora Vinícius do rádio. “E por falar em saudade... onde anda você?”
Tudo some e ele vai até ela. Ela ainda receia, mas logo se entrega ao seu abraço. Beijos e abraços desesperados, com força. Taças de champagne. Risos. Se amam.

Realidade volta à tona. Agora se olham, se odeiam, se machucam com a mesma força que se amaram há alguns minutos. Gritos. Mágoa e rancor. Taças quebradas. Cortes e sangue.

Ela vai embora batendo a porta. Ele chora deitado no chão entre os estilhaços das taças quebradas.

E estão prontos para uma próxima vez.

Larissa Fontes

Baseado na música 'Blue Eyes' de Júnior Almeida. Não sei o que me dá quando a escuto.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Entre páginas de um grosso livro de contos.


"Acho que posso descrever essa freqüente sensação que me agora me vêm: dor misturada com a culpa de ser eu a autora de todas essas histórias que se fizeram ao longo desse 'meu' tempo."

Reconheceu em pensamento, compenetrada em um livro de contos que segurava, entre uma página que esses pensamentos a fizeram voltar e ler de novo.


Larissa Fontes

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

Vinícius de Moraes


"Abra sua camisa e saia para o grande encontro!", ainda dizia Vinícius. Sim, saia para o encontro, mas não procure por ele. Ele o encontrará, ou se fará perceber, caso aconteça de o encontro já ter acontecido e você não perceba, então se dá um novo encontro.
Tantas pessoas andam por aí atrás de qualquer coisa, mesmo que nem saibam o que querem. Não! O encontro os encontrará.
Saravá, Vinícius de Moraes! Saravá!


Larissa Fontes

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Sobre janelas, insetos e um mundo agora diferente


Houve um tempo em que se deixavam as janelas abertas. “Que entre toda a luz e todo o ar do mundo”. Acordava com o mundo nas costas e disposto a carregar essa carga. Porque no mundo, tinha ela. Formigas, borboletas, todos os insetos que existiam na fauna moravam em seu estômago e davam de fazer festa toda vez em que ela se punha ao alcance da sua visão. Sentia o coração pequeno e apertado enquanto caminhava em sua direção. E aquele momento era o mais onírico que tivesse memória, total “slow motion”. Vê-la vindo com aquele sorriso sem mostrar os dentes, um andar meio vago e desajeitado, sem saber onde pôr as mãos. Quando vinha o abraço de costume, a palavra ”costume” perdia o sentido.
O tempo agora é que andava em câmera lenta. As janelas não mais escancaradas, e sim emperradas por falta de uso. Todos os insetos que moravam em seu corpo, foram postos pra fora por um grande dilúvio que enchera por dentro e esborrava pelos dois pequenos e puxados olhos. No mundo, ainda tinha ela. Mas não mais em seu mundo.


Larissa Fontes