terça-feira, 31 de março de 2009

Quando são um só

Ele era calmo e doce. Levava uma vida pacata, sem grandes acontecimentos. Nada nunca o tirava do sério. Era de uma cor esverdeada, às vezes marrom. Tinha cabelos curtos, puxando pro marrom. Os que o acompanhavam eram queimados de sol, não ligavam pra roupas, nem futilidades, eram doces também, por convívio. O amavam, o tratavam bem e sabiam se deleitar dele. Ele, como agradecimento lhes dava alimento e até os levava aonde quisessem em uma viagem calma. Seu povo conversava com ele, contavam suas mazelas e ele ouvia atento, há até quem diga que ele dava ótimos conselhos e cantava uma cantiga balançada, feito água batendo em barco de pescador.

Ela era agitada e salgada. Sua vida era conturbada, enfrentava muitos conflitos internos, verdadeiras tempestades. Era azul, às vezes verde. Tinha uma longa cabeleira amarela, quase branca. Os que a acompanhavam, a temiam, respeitavam, embora a amassem também. Eram salpicados de sal, fortes e corajosos. Ela gostava deles, mas às vezes precisava ficar sozinha e queria se esconder. Só que não se dava conta de que era muito grande para isso, então ficava enfurecida e podia até fazer mal a quem chegasse perto. Não pensem que gostava disso, pelo contrário, se sentia desengonçada e mais enfurecida ficava, queria se conter, mas era muito grande pra isso também. Seu povo demorou a entender, mas hoje já conseguem e respeitam seu tempo. É sentimental como mulher que é mulher. Ama seus companheiros, lhes dá tudo o que pode. Em certos períodos abriga a quem necessitar de seu aconchego, seja por um curto tempo, seja por noites e noites a fio.

Eles viviam em lugares diferentes, embora próximos. Ele a viu pela primeira vez a muitos e muitos tempos atrás e assim permanecia, observando-a de longe, imaginando tudo que se possa sobre ela. No princípio, ela não o enxergou. Digamos que não se deu conta de que ele estava ali. Tinha a cabeça sempre cheia, sempre em seus conflitos internos, em suas vontades loucas de se esconder, por isso não o percebeu. Mas ele estava ali e podia esperar.

Em um dia de sol bonito, ela acordou depois de um sonho leve (ela às vezes tinha pesadelos terríveis!) e até assobiando. Ele estava lá como sempre, observando-a e não pode deixar de ouvir seu assobiar. Julgou esse um dia bom para se apresentar àquela moça que tanto achava bela.

Sorriu para ela e foi se chegando devagar. Ela apertou os olhos para se certificar de que aquele sorriso era para ela e sentiu um cheiro doce invadindo, então viu que ele se aproximava manso e sorridente.

- Me chamam de Rio. Apresentou-se, sentindo gosto e cheiro salgado.

- Eu sou Mar. Respondeu, acuada.

Ele falou sobre sua vida e seu povo. Ela lhe contou de lugares que já tinha visitado. E tinham tanta coisa diferente, mas tanta coisa em comum, que foi sem querer que tiveram que se separar naquele dia. Mas o destino já tinha se consumado, já tinha feito sua parte de ir dar uma cutucadinha nele para que saísse do silêncio e fosse até ela. Tinham sentido uma coisa nunca antes experimentada por nenhum, e por isso não sabiam reconhecer esse sentimento.

Só se sabe que depois disso, todos os dias a certa hora, ele estava nela e ela estava nele. Ele era ela e ela era ele. Em certa hora do dia, eles eram um só e se amavam. O Rio e o Mar.

Larissa Fontes

"O rio fica lá, a água é que correu
chega na maré, ele vira mar."
Little Joy

quarta-feira, 25 de março de 2009

Vamos ao Teatro!


Florípedes e Simeão em O Rapto das Cebolinhas


Não tinha posto aqui nadinha ainda do Rapto das Cebolinhas, pois tá aí então! Minha gata, Florípedes, numa cena com seu querido burrinho Simeão, feito pelo lindo Thiago Sampaio, que eu gosto tanto. Haehoiaeuhuiah (L)

E pessoas! Hoje começa a Mostra de Teatro do SESI, alí no Sesi Cultural na Pajuçara. Vai até o dia 29, com dois espetáculos por dia, um às 15 hrs e outro às 21 hrs. Hoje tem Insônia e Versos de um Lambe Sola. Ou seja, IMPERDÍVEL!

Vamos ao Teatro!

25/03
15h - Insônia - Cia da Meia Noite
21h - Versos de um Lambe Sola - Associação Teatral Joana Gajurú

26/03
15h - O Casamento da Filha do Retratista - Cia Fulanos e Sicranos
21h - Alice!? - Cia do Chapéu

27/03
15h - Caboré - A ópera da Moça Feia - Associação Teatral Nêga-Fulô
21h - O Mágico - Cia Ganymedes

28/03
15h- Zezilda em Ô Lurde, Mulé!? - Grupo Guerreiros do Teatro
21h - Como Nasce um Cabra da Peste - Cia Penedense de Teatro

29/03
21h - NEPAL - Teatro Fúria (MT)

Sério, isso tá imperdível!

terça-feira, 24 de março de 2009

Eu estava olhando as estrelas ontem e... elas não são lindas?

sábado, 21 de março de 2009


Leve a sério!
Foto por mim

quarta-feira, 18 de março de 2009

Estamos na Idade Média


Depois de uma discussão de sala de aula, na disciplina de Realidade Sócio-Política e Econômica Regional, envolvendo alunos futuros jornalistas fervendo, sendo um deles um padre, me rendi a escrever algo anti-romântico aqui. Uma polêmica. Mas realmente fiquei com isso na cabeça. A excomunhão dos médicos que fizeram um aborto numa garota de 9 anos, estuprada pelo padrasto. Creio que vocês tenham lido algo sobre isso. Se não, por favor, faço questão de explicar-lhes o que aconteceu.

Em Alagoinha, agreste pernambucano, depois de ouvir queixas de enjôos, tonturas e dores de barriga da filha, uma mãe a leva ao hospital, onde descobre que a criança de 9 anos estava grávida de gêmeos, vítima de estupro do próprio padrasto. Foi feito na menina um aborto. Tanto os médicos que o fizeram, quanto todos os envolvidos no processo, inclusive a mãe, foram excomungados pelo Arcebispo de Olinda, com exceção da menina. Os médicos alegam que se tratando de uma vítima de estupro e correndo risco de vida, estavam protegidos pela Lei. A Igreja vê um crime, um ato inaceitável para a doutrina.

Eu acho difícil de entender essa posição da Igreja. Uma menina de 9 anos, teria condições de criar dois filhos? Uma criança criando outra criança! Uma pessoa com 9 anos de idade está brincando de boneca, de panelinha, muitas nem sabem como os bebês vem ao mundo. Acabei de ver um vídeo, onde o Teólogo entrevistado diz que “a Igreja perde um pouco a credibilidade com seus fiéis.” E não é? Que Cristão gostaria de se ver nessa situação? Quem consegue concordar com isso? Por favor, me digam.

Vejam esse vídeo do Arnaldo Jabor, vale a pena.

sexta-feira, 6 de março de 2009



Foto por mim


"Deita aqui, eu arrumei a cama pra nós dois
Esquece tua mala aí, aqui
Deita, deita aqui

Vamo ouvir no rádio alguém cantando o que há de rir
Nos braços da mulher é bem melhor,
Vai dormir mais feliz

Meu amor, o dia nasce e escolhe outro alguém
Do peito, um homem pode apodrecer
Se fingir que não vem."

Mula Manca & a Fabulosa Figura

quarta-feira, 4 de março de 2009

Lenços coloridos - Parte II


Que sorte! De longe avistei o colorido daquele povo. Meu coração desandou a acelerar. Minha face ruborizou.

A rotina se fez. Pus-me detrás das carroças, no mesmo cantinho. Começou a dança. Cores, palmas, fogueira. Ele. Ainda dançava com a senhora que eu supunha sua mãe, com movimentos precisos, cheio de graça se movia por entre sua gente e me encantava. Já falei de seus cabelos compridos e escuros, presos num rabo de cavalo na nuca? Dessa vez tinha um lenço vermelho no pescoço, perto da gola da camisa branca folgada.

A dança prosseguia linda. Eu cada vez mais envolvida, quando me dei conta não o via mais. Senti uma mão em meu ombro e me virei em pânico. Ele me olhava com expressão curiosa. Não agressivo, não defensivo. Pude ver os olhos de perto. Eram escuros, redondos e grandes. Tinha sobrancelhas arqueadas e uma boca carnuda, vermelho vivo. Pegou minha mão e começou a me puxar. Atônita, não me veio na cabeça que ele podia me fazer algum mal, apenas me deixei levar por ele.

Andamos até a beira do rio, no píer perto dos barcos e canoas.

- Qual seu nome? – A expressão ainda era de curiosidade, embora eu teimasse em ver doçura ali.

- Sara. – Não conseguia falar mais nada.

- O meu é Shuri. Por que você estava escondida nos espiando? Não é a primeira vez que te vejo ali.

Shuri era o nome dele. Caía perfeitamente naquele corpo, naquela voz.

- Er... Não sei, só estava... Olhando. – Boba, boba, boba!

- Você está meio tremendo, está com medo de mim? Se for isso, pelo amor de Deus, não fique. Não vou te fazer nenhum mal. Nunca faria a ninguém. Quero lhe conhecer, confie em mim. – E ele realmente passava segurança em sua fala e seu olhar.

- Desculpe. Sempre me encantei pela dança de vocês. Cores voando, palmas num ritmo que sempre me atraiu. Fiquei com medo de me aproximar, não quero ofender, mas sempre falam da fama de agressivos do seu povo.

- Oh, sim. É uma meia verdade. Existem alguns de nós que são avessos a qualquer coisa que não seja de nossa cultura. Mas enfim, não sou assim. Em mim você pode confiar, não tenha medo.

- Sim! É como se eu pudesse ver nos seus olhos que é doce. – Corei, surpresa com a minha própria declaração.

Ele sorriu. Pegou minha mão, virou-a, passando seus dedos compridos pelas linhas da minha palma, com um ar compenetrado.

- Hum... Intuitiva. – Falou baixo, num sussuro.

- O que?

- Sua mão. Já ouviu falar em Quiromancia? É a interpretação dos vários sinais contidos nas mãos. A sua mão tem formato delicado, seus dedos são finos e longos, sua palma é estreita. Mostra que é uma pessoa tímida e idealista. Sonhadora, podendo às vezes de distanciar da realidade, por isso precisa de alguém ao seu lado para orientá-la. É romântica e pode sofrer por não falar o que realmente sente. Acertei alguma coisa?

Fiquei o olhando falar aquelas coisas, quase me descrevendo, como se me conhecesse há muito tempo.

- Nossa, se acertou! Como você faz isso?

- Aprendemos a ler as mãos desde muito jovens. Me dá tua mão de novo.

Puxou-a novamente e começou a me explicar:

- Essa aqui é a Linha da Vida, nasce debaixo do dedo indicador, cerca a Linha da Cabeça, que é essa aqui do meio; Essa é a Linha do Coração, começa no segundo dedo e vai até a base do quarto dedo. Essa é a Linha da Sorte ou do Destino. Nem todos a têm...

Passou um bom tempo me ensinando sobre as Linhas e seus significados, sobre sua vida, descobri que era também um grande curioso sobre a minha cultura tão moderna e diferente, como ele dizia. Me soltei como nunca havia com um “estranho”. Conversava sobre todos os assuntos que surgia, parecíamos velhos amigos. Eu totalmente submersa naquele universo, nem sentia o tempo passar. De repente vi que a aurora já havia chegado, o sol iria subir e eu estava muito encrencada quando chegasse em casa. Nos despedimos com a promessa de ainda nos encontrarmos, e fui pra casa nas nuvens. Ou melhor, no vento. Entre lenços coloridos.

Larissa Fontes

segunda-feira, 2 de março de 2009

Lenços coloridos - Parte I


Caravanas. Lenços voando, roupas coloridas. Mulheres e homens a dançar em volta de fogueiras. Eu olhava toda aquela gente maravilhada. Não era a primeira vez que me escondia entre todas aquelas carroças e ficava ali estática, deslumbrada com as cores que voavam com o balanço daquelas mulheres que dançavam tão envolventes. Os homens eram todos fortes, a maioria tinha cabelos longos, presos em rabos de cavalos na nuca e também dançavam.

Um rapaz moreno, sempre me chamava atenção. Acompanhava uma senhora na dança, aparentemente sua mãe. Batia palmas ritmadas, com os braços posicionados ao lado da cabeça, rosto reto, olhar fixo num ponto qualquer, nariz empinado e toda a graça do mundo naqueles movimentos.

Aquele povo tinha fama de agressivo, por isso era preciso cuidado, o que era difícil pra mim, já que ficava totalmente submersa naquele jogo de ritmos e passos cadenciados e se tornava uma tarefa árdua me preocupar em não ser vista. Eram poucas as vezes que eu podia me deliciar com aquilo tudo. Era a segunda vez que estavam aqui na minha cidade. Coisa rara essa, de armar acampamento num mesmo lugar mais de uma vez, ma mais tarde soube que o chefe do bando tinha negócios aqui.

Quando a dança parou, tive a impressão de que o rapaz moreno dirigiu o olhar pra mim. Fiquei assustada com o que podia acontecer. O que eu iria dizer? O que estava fazendo ali escondida atrás de todas as carroças? Corri, sem pensar em nada, nem olhar pra trás. Acho que só lembrei de respirar quando cheguei em casa. Meu coração pulava. Mas não pude esquecer a hipótese daquele olhar no meu.

Fiquei dois dias com medo de voltar lá e com mais medo ainda de voltar e não encontrá-los mais. O medo de voltar e eles não estarem mais, me venceu e eu fui.

Larissa Fontes