domingo, 16 de janeiro de 2011

Quando são um só

Ele era calmo e doce. Levava uma vida pacata, sem grandes acontecimentos. Nada nunca o tirava do sério. Era de uma cor esverdeada, às vezes marrom. Tinha cabelos curtos, puxando pro marrom. Os que o acompanhavam eram queimados de sol, não ligavam pra roupas, nem futilidades, eram doces também, por convívio. O amavam, o tratavam bem e sabiam se deleitar dele. Ele, como agradecimento lhes dava alimento e até os levava aonde quisessem em uma viagem calma. Seu povo conversava com ele, contavam suas mazelas e ele ouvia atento, há até quem diga que ele dava ótimos conselhos e cantava uma cantiga balançada, feito água batendo em barco de pescador.

Ela era agitada e salgada. Sua vida era conturbada, enfrentava muitos conflitos internos, verdadeiras tempestades. Era azul, às vezes verde. Tinha uma longa cabeleira amarela, quase branca. Os que a acompanhavam, a temiam, respeitavam, embora a amassem também. Eram salpicados de sal, fortes e corajosos. Ela gostava deles, mas às vezes precisava ficar sozinha e queria se esconder. Só que não se dava conta de que era muito grande para isso, então ficava enfurecida e podia até fazer mal a quem chegasse perto. Não pensem que gostava disso, pelo contrário, se sentia desengonçada e mais enfurecida ficava, queria se conter, mas era muito grande pra isso também. Seu povo demorou a entender, mas hoje já conseguem e respeitam seu tempo. É sentimental como mulher que é mulher. Ama seus companheiros, lhes dá tudo o que pode. Em certos períodos abriga a quem necessitar de seu aconchego, seja por um curto tempo, seja por noites e noites a fio.

Eles viviam em lugares diferentes, embora próximos. Ele a viu pela primeira vez a muitos e muitos tempos atrás e assim permanecia, observando-a de longe, imaginando tudo que se possa sobre ela. No princípio, ela não o enxergou. Digamos que não se deu conta de que ele estava ali. Tinha a cabeça sempre cheia, sempre em seus conflitos internos, em suas vontades loucas de se esconder, por isso não o percebeu. Mas ele estava ali e podia esperar.

Em um dia de sol bonito, ela acordou depois de um sonho leve (ela às vezes tinha pesadelos terríveis!) e até assobiando. Ele estava lá como sempre, observando-a e não pode deixar de ouvir seu assobiar. Julgou esse um dia bom para se apresentar àquela moça que tanto achava bela.

Sorriu para ela e foi se chegando devagar. Ela apertou os olhos para se certificar de que aquele sorriso era para ela e sentiu um cheiro doce invadindo, então viu que ele se aproximava manso e sorridente.

- Me chamam de Rio. Apresentou-se, sentindo gosto e cheiro salgado.

- Eu sou Mar. Respondeu, acuada.

Ele falou sobre sua vida e seu povo. Ela lhe contou de lugares que já tinha visitado. E tinham tanta coisa diferente, mas tanta coisa em comum, que foi sem querer que tiveram que se separar naquele dia. Mas o destino já tinha se consumado, já tinha feito sua parte de ir dar uma cutucadinha nele para que saísse do silêncio e fosse até ela. Tinham sentido uma coisa nunca antes experimentada por nenhum, e por isso não sabiam reconhecer esse sentimento.

Só se sabe que depois disso, todos os dias a certa hora, ele estava nela e ela estava nele. Ele era ela e ela era ele. Em certa hora do dia, eles eram um só e se amavam. O Rio e o Mar.


*Texto antigo, postado no dia 31 de Março de 2009. Foi engraçado hoje ler e me reconhecer nessas palavras. Me reconheci ao ponto de não mudar sequer uma vírgula. Queria voltar a saber escrever. Se é que um dia soube. Mas eu ainda penso tanto...

3 comentários:

Guilherme disse...

Escreva.

"Saber escrever"
é o mesmo que "escrever sempre",
sob olhar do leitor contente.
Se o faz, não seja decrente.
Seu leitor fará sua parte.
Você, fará: Arte.

Apenas.

Há tempos não a lia.
Hoje, leio algo passado.
Talento comprovado!
Escreva mais (e mais...)
Estarei (mesmo distante)
Ao seu lado. Encantado.

Apenas... Escreva.

Como um amante faz amor
Sem medo do que virá
Como um infante sente dor
Sem esperança de curar
Como faz, o escritor
Linha a linha, sem parar.

Escreva... Apenas.

(17/01/2011, 12h29. De rompante, inspirado - mais uma vez - por suas linhas...)

Anônimo disse...

Escreve sempre tão bem
E é como um mergulho
Olha e fita a água
Mas já precisa ir embora
Que o tempo não pára como antes
Só amanhã saberá silenciar
Saborear um instante verdadeiramente
E de olhos fechados
Tombar deliciosamente na água
Rir infantilmente
E depois esquecer

Você escreve tão bem essas/aquelas palavras de dentro.

Estêvão dos Anjos disse...

Olá, você bem que poderia voltar a atualizar isso, né? Tsc tsc.