"De qualquer forma, sabia - de onde quer que viesse o aviso. Sabia tanto que, igual às outras vezes, colocou a mão sobre o telefone um pouco antes que tocasse. E antes ainda sequer de começar a esperar, porque eram cinco e quinze, ele estremeceu ao ouvir o toque, quase sorrindo para dentro, para si, porque de alguma forma era como se o toque fosse produzido apenas pela vibração de seus dedos suspensos sobre o aparelho. Tivesse o poder de, à distância, magnetizar a mão de outra pessoa, induzindo o dedo indicador naquela mão daquela outra pessoa a discar seus seis ou sete números para chamá-lo.Mas já não tinha poder algum, se é que tivera um dia. E achava que não, além desse de agora: manter as pontes pelo tempo necessário e impreciso. Só atendeu depois do telefone tocar três vezes.
Mas não, não diria nada. Não se diz mais uma palavra quando, de muitas formas nunca claras o suficiente para que os outros entendam, tudo já foi dito.
- Até quando for preciso. Estarei aqui.
- Talvez dependa de mim.
- Tudo tem seu tempo. Há o tempo deles, também. Eu sou a ponte para você, você é a ponte para eles.
- Tenho medo que você falhe. Porque, se você falhar, eu falho também. E eu não posso.
- Eu não vou falhar. Não porque não posso, mas porque não quero.
- É como um pacto?
- Se você quiser.
Um dia seria para sempre: e eu só tenho esse centro talvez escuro de mim, onde me agarro.
Até um dia qualquer de sol, se você me esperar lá fora.
De repente, agora, como antes, pressentindo o toque do telefone, alguma coisa começava a contorcer-se por dentro dele, no aviso da partida. Quis retê-la ainda, à outra voz, com alguma história.
Passou os dedos devagar sobre o telefone mudo. Estava frio. Já não havia sonoridades vivas fugindo pelos furinhos do fone para aquecer e colorir o quarto. Todo o resto ia-se embora com a outra voz, o mundo inteiro que habitava dentro dele."
Caio F. Abreu
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