Tonzinho querido,
Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça, que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv'alma. Meu navio só sai amanhã a tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E como sempre, nessas horas, escrevo para você cartas que nunca mando. Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor e pela frente tem o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa embaixada há uma festa que me cairia muito bem com o Baden mandando brasa no violão. Há pouco, telefonei para lá, para comprimentar o embaixador e veio todo mundo ao telefone. Estou queimando um ódio firme. Você já passou um 7 de setembro, Tonzinho, sozinho num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro! Estou doido pra ver você e Carlinhos e recomeçar a trabalhar. Imagine que este ano foi praticamente dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira. Mas agora o tremendão aconteceu mesmo, a Europa teve que curvar-se. Mas ainda sim, fizemos umas musiquinhas, como Formoza, você vai ver! Tudo sambão! Parece até que a saudade do Brasil, quando a gente está longe, procura mais a forma do samba tradicional do que a Bossa Nova, não é engraçado? São, como diria o Lúcio Rangel, as raízes. Vou agora escrever para casa, pedindo dois Menus diferentes para minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco bem tostadinho, uma covinha mineira e doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo com um arroz bem soltinho e papos de anjo. Mas daqueles como só a mãe da gente sabe fazer, daqueles que se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer metida num banho morno e em trevas totais, pensando no máximo na mulher amada. Por aí você vê como eu estou me sentindo, nem cá, nem lá. Fiquei muito contente com o sucesso de garota de ipanema nos estados unidos e Astrudinha hein? Que negocio tão direito! Vamos ver se desta vez, os intermediários deixam algum para nós. Fiquei muito contente também com a notícia do sucesso de Berimbau aí no Brasil. Dizem que estão tocando a musiquinha pra valer. Isso me alegra muito pelo Baden. E pra que mentir? Por mim também. É bom saber que a gente não foi esquecido, que o povo continua cantando as nossas coisas, pois no fundo mesmo é pra ele que a gente compõe. Lembro-me tão bem quando fizemos o samba, uma madrugada. A uns três anos atrás, por aí. Eu disse a Baden "Isso tem pinta de sucesso", e ficamos cantando e cantando o samba até o sol raiar.
Vinícius de Moraes
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