quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ele alí, tão irreal...


"Eu não sei fazer poesia, nem escrever bonito, mas tenho de falar de quando o vi. Ele alí, tão irreal, sentado na minha frente.

Eu trabalhava de garçonete naquele bar desde que eu tinha 16 anos. Estava acostumada com bêbados me cantando e vomitando todo fim de noite, acho que até fiquei meio antipática por conta disso. Nunca dei ousadia pra nenhum daqueles homens, primeiro porque eu estava trabalhando e segundo porque tinha nojo da maioria deles. Mas não dizia nada. Servia quieta, fazia meu trabalho bem feitinho pra não dar brecha pra reclamação.
Fazia um tempo que eu via um rapaz bem bonito que vinha sempre aos sábados e sentava na mesma mesa, lá no fim do bar. Eu nem tinha coragem de ir lá, tão bonito ele era. Sempre mandava o Bento, o outro garçom que trabalha comigo, que é muito meu amigo. Acho que o único amigo que eu tenho. O Bento é meio gay, apesar de nunca ter assumido, e sempre ia de bom grado atender o rapaz bonito. Sempre pedia umas cervejas e ficava lá, bebendo sozinho. O Bento me conhece bem e percebeu que eu ficava meio nervosa quando ele chegava, por isso acho que ele abriu mão da paquera e deixou pra mim, porque sempre vinha me dizer algo que descobria sobre ele.

Mas o que eu quero realmente contar, foi o dia em que ele chegou e não sentou na mesa de sempre. Sentou-se no balcão e então foi que o vi tão de perto. Ali, tão irreal, sentado na minha frente. Me olhou e simplesmente foi falando.

- Tive um sonho ruim...

Foi como se ele tivesse aberto tudo dentro de mim. Como se nos conhecêssemos desde sempre. Mesmo nunca tendo trocado uma palavra sequer com ele, eu sabia que estava falando comigo. Então larguei o pano de prato e os copos que eu lavava e sem dizer nada, me sentei em frente a ele. Senti que ele precisava falar. Só falar. Eu só vim a esse mundo, meu Deus, para ouvi-lo.

- “Eu andava sozinho por uma praia, a noite. Parecia não saber o que estava fazendo nem pra onde estava indo, só andava e andava. De repente dei a olhar pra trás, com medo de alguma coisa. Um medo me consumiu, um medo inexplicável. Olhava pra trás e não via nada, só a escuridão. E eu acho que era justamente isso que me dava medo: a escuridão.”

- Eu também tenho medo da escuridão. Embora vive nela...

- Como assim vive nela? Se a tua aura é completamente feita de luz? Clara!

- A minha o que?

- A sua aura. É uma coisa que te emana e envolve toda, como um sopro de ar. Diz muito sobre seu emocional. A sua, posso ver, é clara como o sol.

Eu precisava dizer alguma coisa. Mas o que eu poderia dizer? Que conversa, eu, uma pessoa que não sabe o que é aura, poderia ter com um cara assim? Acho que minha cara, que ficou totalmente vermelha, falou por mim. Ele facilitou.

- Te deixei sem graça? Não era a minha intenção, desculpe.

Não consegui responder nada, só o olhei, e quando vi que ele ainda não tirara os olhos de mim, abaixei os olhos ainda me sentindo quente, dessa vez não só o rosto, mas o corpo inteiro.

Nessa hora eu já me esmurrava por dentro, como eu podia ser tão idiota e não a ponto de não saber manter uma conversa com um homem? Principalmente sendo o homem com quem eu sempre sonhara.

Vi nos olhos dele alguma coisa de estranho. Não sabia ao certo se era uma coisa boa ou algo triste, mas fiquei olhando fixamente pra eles, sem perceber. Devo ter feito alguma coisa de errado, porque ele me deu um sorriso meio tristonho, e se levantou. Ainda ficou parado em frente ao balcão, como se esperasse que eu fizesse alguma coisa. Eu apertava minhas pernas, que ele não podia ver, me castigando por não ter coragem de fazê-lo ficar.

Ele se demorou um pouco ainda, mas viu que eu não ia falar nada e se virou. Começou a andar lentamente em direção a porta, tinha a cabeça baixa.

E se ele não voltasse? Se aquela mesa ficasse vazia de agora em diante?

Não pensei em nada. Dei um grito.

- Fica comigo?

Que reação ele ia ter agora, meu Deus?

Ele sorriu e veio na minha direção."

Larissa Fontes

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